Legalidade dos Arquivos Digitais na Odontologia

Reprodução do artigo original em http://cleber.com.br/legalid4.html sem data de publicação informada.

 

Dr. Cléber Bidegain Pereira

 

O tema Legalidade dos Arquivos Digitais envolve um amplo aspecto, polêmico e, sobretudo, de difícil controle, como o caso dos direitos autorais na Internet.

Meu propósito, neste escrito, restringe-se, a dois aspectos:
1) legalidade dos documentos digitais, na Odontologia, em caso de litígios em Tribunais e
2) comprovação de autoria de trabalhos científicos, divulgados na Internet.

É natural e compreensível, as leis sempre ficam atrás dos avanços tecnológicos. O mesmo acontece com os dicionários e as línguas vivas. Entretanto, aqueles que ponteiam o progresso, em diferentes áreas, devem forçar e insistir para que as leis os acompanhem. É inútil e improdutivo tentar estagnar a ciência acomodando-a a leis desatualizadas. No memorial de George Washington, em Washington D.C., há um escrito seu que inicia assim: ” Eu não sou favorável a constantes mudanças e alterações nas leis e na Constituição. No entanto, leis e Constituição devem mudar acompanhando o progresso …

” É imprescindível o trabalho conjunto e harmonioso dos homens que estudam as leis, aplicadas à odontologia, e daqueles que mexem, avançadamente, com outros ramos da ciência odontológica, a fim de que as leis sejam interpretadas com uma visão contemporânea ou mudá-las se necessário for.

Segundo a lei vigente há obrigatoriedade de que as fichas clínicas tenham existência física, devendo ser arquivadas, indefinidamente, e que, receitas e recomendações de extrações e outros procedimentos, sejam escritos à tinta, de maneira legível, com cópia. Entendo, que estas exigências da lei valorizam e incrementam a utilização do computador na odontologia, ao contrário de a tolher, como pode parecer a primeira vista. As fichas clínicas, digitalizadas no computador, são equações aritméticas gravadas, eletronicamente, em um disco, e têm existência física, não são etéreas nem subjetivas. Não ficam inconfiáveis na memória do computador e, sim, são gravadas, de diversas maneiras, podendo a qualquer momento serem impressas e ter a existência em papel. O Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional de Medicina do Paraná, já manifestaram-se pela legalidade dos arquivos digitais.

As fichas clínicas com anamnese, diagnóstico, plano de tratamento e seguimento clínico, feitos no computador, devem ser impressas devem e assinadas pelos pacientes ou responsáveis e desta forma guardadas indefinidamente. Neste caso, os arquivos eletrônicos ficariam para a rápida e fácil manipulação do cotidiano e os impressos, assinados, bem guardados para atender eventualidades legais.

Diz o Código Sanitário Nacional, complementado pelo Decreto Lei 793 de 05/04/1993, que reza em seu artigo 35: “Somente será aviada a receita médica ou odontológica que : I – contiver a denominação genérica do medicamento prescrito; II – estiver escrita à tinta, de modo legível, observadas a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas oficiais indicando a posologia e duração total do tratamento; III – contiver o nome e o endereço do paciente; IV – contiver a data e a assinatura do profissional, endereço de seu consultório e residência, e o número de sua inscrição no respectivo Conselho Regional “. Como se vê, a lei é clara e não constitui nenhum impedimento para que receitas sejam redigidas no computador. Pelo contrário, o computador, facilitando o nosso trabalho, pode oferecer minutas semi-prontas, com todos os requisitos da lei, escritos previamente de maneira absolutamente correta. Em banco de dados, escolhe-se em um elenco nominal ilimitado, o medicamento indicado onde aparecem todas as posologias recomendadas. Basta o profissional colocar o nome do paciente e adequar a posologia. Até data e hora podem ser automatizados. A legibilidade é inquestionavelmente melhor quando impressa pelo computador. O manuscrito bem legível pode-se dizer que é quase uma raridade. Há um dito popular que diz: “quando escrevo, só Deus e eu sabemos o que está escrito. Depois de uma hora, só Deus sabe…” .
A lei não diz que a receita deve ser manuscrita, esta é uma dedução de quem a interpreta. A lei diz “escrita à tinta “. O computador grava aquilo que nós escrevemos e as impressoras imprimem utilizando tinta. De tal forma que a receita é escrita à tinta, como exige a lei. Quanto a cópias, nada melhor do que o computador para fazer trabalhos repetitivos, podem ser feitas cópias facilmente em qualquer quantidade, sem as dificuldades do manuscrito, que implicaria no uso do velho carbono, xerox ou na enfadonha repetição do escrito.

As imagens digitais, sejam radiografias ou fotografias, são mais facilmente alteráveis do que os processos antigos de película, emulsão e revelado. Entretanto, as modificações grosseiras são facilmente identificáveis quando se ampliam as imagens. Modificações mais perfeitas demandam muito tempo de composição e, mesmo assim, podem ser reconhecidas por um técnico. Impugnada a autenticidade da imagem, o juiz ordenará a realização de exame pericial. (*).

Também o papel moeda, cada dia é mais fácil de ser falsificado. No entanto, combatem-se os falsários e continua-se usando o sistema. Da mesma forma, os problemas das imagens eletrônicas, realmente, são questões de ética e não de sistemas e máquinas.

É necessário ressaltar que, este problema de legalidade dos arquivos eletrônicos, não é peculiar à odontologia, é de quase todas as atividades humanas, as quais estão usando largamente os computadores. Advogados, Juízes e Tribunais estão informatizados. Até o Tribunal Eleitoral, tão zeloso quanto susceptível a fraudes, utiliza os computadores nas eleições. É eletrônica a votação no Congresso Nacional, onde decidem-se os destinos da nação (**). Assim sendo, este grande volume de interesses deverá impor a legitimidade dos arquivos digitais, dirimindo as dúvidas que pairão neste momento. Cabe a odontologia estar atenta para acompanhar, apoiar e direcionar os novos projetos de leis e regulamentações.
Porém, até que cheguem novas regulamentações, devemos cumprir à lei vigente, imprimindo os arquivos e aí será assinado pelo paciente ou seu responsável. Igual que em manuscritos ou em outros escritos, é a assinatura do paciente que dá validade ao documento, sem a qual ele nada vale em caso de litígio, seja qual for a sua forma de apresentação (***).
O que pesa, na balança da Justiça, é a assinatura do paciente, do responsável ou do Radiologista.

As radiografias têm peculiaridades próprias. Não é preponderante que seja digital ou com película, o que tem maior validade é o laudo assinado pelo radiologista, especialista reconhecido pelo CFO. Em caso de litígio, o paciente e o juiz, normalmente, não têm conhecimentos para interpretar ou reconhecer uma radiografia. É o laudo do radiologista que se impõe (****).

Na medicina a informática trouxe valiosas contribuições, tanto em equipamentos como em gerenciamento de Instituições, hospitais e clínicas, que não podem ser prescindidas, o que está demonstrado, claramente, em manifestações do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina do Paraná (****).

Quanto aos direitos autorais, há farta documentação a respeito, inclusive com leis recentes e atualizadas, que podem ser encontradas, na Internet, nas referências abaixo. Limito meu comentário à garantia de autoria do escrito científico divulgado na Web. Devido à facilidade em mudar datas, de arquivos eletrônicos, pode ser questionada a legitimidade da autoria de divulgações em homepages. Para garantir a autoria de divulgações intelectuais, na Internet, é suficiente registrar o trabalho no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional ou diretamente nos respectivos Conselhos da Profissão. (*****). Considero da maior importância o reconhecimento da autoria de trabalhos divulgado na Web. Este fato incrementará as Revistas Virtuais, cujo aparecimento já se inicia. Mais ainda, nestes tempos de dificuldades econômicas, em que as Revistas Impressas estão muito caras e os Cursos de Especialização, Mestrado e Doutoramento, que aumentam a cada dia, exigem monografias que devem ser publicadas. Até que estas publicações consigam lugar nas páginas das Revistas Impressas, o trabalho poderá ser divulgado na Internet, com autoria reconhecida.

Uma verdade irrefutável é que os arquivos digitais, em muitos aspectos ausentes nas leis vigentes, continuarão a serem usados, com maior frequência a cada dia que se passa. Hoje, alguns podem contestar a legalidade dos arquivos digitais, manhã serão uma imposição determinada ela proliferação do seu uso. Nada conseguirá detê-los, até que surjam outros meios, ainda mais avançados, inimagináveis por nós neste momento.

(*) Transcrito de CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO – Atualizado até 1997 – 3a Edição – Editora Revista dos Tribunais – Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Art. 385 ” A cópia de documento particular tem o mesmo valor probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder à conferência e certificar a conformidade entre a cópia e o original.
” Parágrafo 1o Quando se trata de fotografia, esta terá de ser acompanhada do respectivo negativo.
Parágrafo 2o Se a prova for uma fotografia publicada em jornal, exigir-se-ão o original e o negativo. Entretanto, observa-se no Art. 383 “Qualquer reprodução mecânica, como fotografia, cinematografia, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas apresentadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade.
Parágrafo único. Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial.
Observa-se que a necessidade de original, quanto a reprodução mecânica de documentos, não se refere exclusivamente a imagens digitais, como também fotografias feitas pelo sistema antigo.

(**) O progressão geométrica de informações, em todo o mundo, avoluma-se de tal forma que não mais é possível o arquivamento de documentos, pelos sistemas arcaicos de guardar papéis. Além dos problemas de arquivamento e conservação existem as dificuldades de buscas. O Gerenciamento Eletrônico de Documentos (GED) tornou-se ferramenta básica para instituições e empresas, grandes, média e pequenas. O mundo foi invadido pelo GED e ninguém poderá detê-lo.

(***) Até o presente momento é a assinatura do documento o ponto crucial da questão. Fichas e seguimentos clínicos à moda antiga, impressos ou manuscritos, igual que impressos do computador, não têm valor legal se não estiverem assinados pelo paciente ou responsável. É a assinatura do paciente que dá validade ao documento, não a maneira como foi originado. O computador é um excelente auxiliar, imprimindo, com facilidade, os documentos para serem assinados. Um exemplo é o seguimento clínico, com intenção de comprovar a frequência ao consultório. Ele pode ser impresso, da agenda eletrônica, e exigida a assinatura daqueles pacientes que não estão cumprindo seus horários. Ressalto que o maior problema, de ordem prática, que pode gerar litígio é a frequência do paciente no consultório. Eles esquecem suas falhas. Para estes pacientes, que mostram irregularidade nas visitas, se toma assinatura a cada consulta.

(****) Manifestações oficiais do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina do Paraná

(*****) O Laudo do radiologista é entregue ao destinatário, devidamente assinado, junto com a radiografia. Aqueles Serviços Radiológicos que arquivam seus laudos, podem, segundo o Conselho Federal de Medicina, guardá-los em forma digital, sem assinatura, em caso de litígio, o documento é impresso e assinado.

(****) Para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-la, conforme sua natureza, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. (Lei nº 5988 – 14/12/73 – Art. 17).
Maiores informações em <http://gemeos.electus.com.br/sebraece/sbr253.htm >

Obras Consultadas:

DE GUTEMBERG À INTERNET – DIREITOS AUTORAIS NA ERA DIGITAL – Henrique Gandelman – Distribuidora Recod de Serviços de Imprensa S.A.

A INFORMÁTICA NOS CONSULTÓRIOS – Entrevistas com vários colegas – Revista da APCD – Vol. 52 – No 6 – Nov./Dez. 1998.

TRATADO SOBRE PROPRIEDADE LITERÁRIA, CIENTÍFICA E ARTÍSTICA – Carla Guimarães Lago e outros.

ASPECTOS LEGAIS DA DOCUMENTAÇÃO EM MEIOS MICROGRÁFICOS, MAGNÉTICOS E ÓPTICOS – Ademar Stringher – publicado por CENADEM – 1996,

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO – Atualizado até 1997 – 3a Edição – Editora Revista dos Tribunais – Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO – Vol. II – arts. 270 a 565 – 4a Edição – Alexandre de Paula.

A PROVA NO PROCESSO – 2 Edição – Forense – Jônata Milhomens

MUNDO DA IMAGEM – No 19o, 1997 – No 20o, 1997 – No 31o, 1999.

DIRECT DIGITAL RADIOGRAPHY IN THE DENTAL OFFICE – International Dental Journal (1995) 45, 27 – 34. Ann Wenzel Aarhus – Hans-Göran Gröndaht

IMAGIN: NEW VERSUS TRADITIONAL TECHNOLOGICAL AIDS – International Dental Journal ( 1993) 43, 335 – 342. Gerard G.H. Sanderink

FÓRUM CIENTÍFICO DA PÓS-GRADUAÇÃO – 17 RADIOGRAFIA DIGITAL – Pavan, Nair N.; Pavan, José; Bevilaqua, Mônica – Orientador: Tavano Orivaldo ( Faculdade de Odontologia de Bauru-USP).

CENTRO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO GERENCIAMENTO DA INFORMAÇÃO (CENADEM) – LA INFORMÁTICA Y LA TELEMÁTICA EN EL CAMPO DE LA SALUD – Usos actuales y potenciales – Organización Panamericada de la Salud – 1990 Prólogo Edição em espanhol

THE PROBLEM, ELETRONIC DATA TRANSMITIONS AND LAW – Litigation, Legistation and Ethics – Americam Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics / Abril, 1998

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