Dr. Felicio S.R. Zampieri
Especialista em Radiologia Odontológica
Diretor da Craneum Radiologia
Retrospecto
Ultimamente muito vem se discutindo a respeito da legalidade de fotos digitais na odontologia. Alguns professores pregam em seus cursos a ilegalidade das fotos digitais, porém até onde me informei, tais afirmações são infundadas.
Minhas pesquisas com imagens digitais vem desde 1993, data em que se reuniu pela primeira vez um grupo de pesquisas sobre o tema. O encontro ocorreu em Uruguaiana-RS, lá estive a convite de Prof. Dr. Cleber Bidegain Pereira, grande pesquisador e amante de informática na ortodontia. Estiveram também Drs Antonio Carlos e Bárbara Cauduro. Durante dois dias vistamos e trabalhamos no laboratório de Bidegain, ai tudo começou. Bidegain já utilizava-se de câmeras de estúdio RGB associadas a placas targa, até hoje considerados equipamentos profissionais. Na época o laboratório já havia consumido mais de US$ 20.000.
Ainda em 1993, tivemos mais alguns encontros, o grupo aumentou e em 1994 já com o apoio de seis empresas de radiologia e informática, lançamos no Congresso da SPO, aquele que seria o protótipo do sistema de fotografia digital de hoje. O sistema batizado de projeto OrtoNet, não só captava as imagens digitais, mas organizava-as e criava um disquete que batizamos de Documentação Digital.
Em 1996 em pleno congresso da APCD no Anhembi, transferimos a primeira documentação digital via internet no Brasil. Do stand da Craneum para o consultório de um ortodontista de SP.
A seguir orientamos o desenvolvimento do sistema Photo View, que usa câmeras digitais e impressoras de ultima geração.
A questão da Legalidade
A principio é necessário deixarmos bem claro, que não existe uma lei que diga: “fotos digitais não tem validade jurídica “. Pelo contrario, existem várias citações que mostram o quanto às imagens digitais são legais. Veja algumas que coletei da apresentação de Bidegain no Fórum “Regulamentação dos documentos ópticos e magnéticos na odontologia” ocorrido no 5# Seminário de Ortodontia Comunitária –2001 –SP:
- Considerando que uma das fontes do Direito é o direito de fato – direito consuetudinário – aquilo que faz parte dos costumes de uma civilização ou grupo – cujo exemplo clássico é o concubinato, que até 1994 era aceito nos Tribunais como direito de fato, sem ser, até aquela data, de direito previsto em lei, o que só ocorreu em 29/12/94, com a Lei N 0 8.971 – os arquivos digitais, em sua forma virtual podem ser aceitos nos Tribunais, visto que são utilizados pelos próprios Tribunais e demais Poderes da República.
- Também, os arquivos digitais, em sua forma virtual, podem ser aceitos, como prova em Tribunal, baseado no Código de Processo Civil, Lei 585869 de 11 janeiro, 1973, Art. 332: “Todos os meios legais, bem como moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.É bom ressaltar que em quase todas as manifestações da Lei, há referência, de uma maneira ou outra, sobre a ética que é o principal fundamento filosófico da jurisprudência e do exercício profissional da Medicina e Odontologia.
- Manifestações do Conselho Federal de Medicina ( CFM) e do Conselho Regional de Medicina do Paraná, cujo código de ética fundamenta-se no Código Sanitário Nacional, comum para a Medicina e Odontologia, reconhecem, clara e incisivamente, que os arquivos podem ser armazenados em sua forma digital e quando necessários, impressos e assinados pelo profissional responsável, no caso um médico. Nestes pareceres de 1993, além de reconhecer como legais os arquivos digitais, ainda é recomendado a sua utilização em medicina.
Veja alguns precedentes de como os arquivos e imagens digitais são usados atualmente:
- Hoje imagens puramente digitais e “manipuláveis”, como as ressonâncias magnéticas e tomografias computadorizadas podem dar o veredicto se um médico cirurgião abre ou não um paciente. A medicina não somente reconhece como incentiva o uso de arquivos digitais.
- O Supremo Tribunal Federal está em plena implantação de Sistema para informatizar todos os Tribunais do pais e posteriormente interligá-los internacionalmente. As informações sigilosas terão acesso somente por senha biológica ( impressões digitais).
- Ministério da Fazenda emite documentos pela Internet e reconhece legalidade
- O Ministério de Educação aceita mídias ópticas em disquete ou CD-Rom – Diário Oficial da União, Seção I, de 24 de novembro de 1997.
- Ministério da Saúde – Art. 8º da Resolução da Diretoria Colegiada da ANS – RDC nº 18, de 30/03/2000. , estão disponíveis para transferência (download) os Demonstrativos de Ficha de Compensação (boletos bancários) referentes ao ressarcimento ao SUS.
- Ministério da Saúde – Decreto Nº 3.327, 5 janeiro, 2000 – proceder à integração de informações com os bancos de dados do Sistema Único de Saúde.
- O Ministério de Justiça; Ministério de Educação; Justiça do Paraná; Recita Federal; DECEX (Comercio Exterior); INSS; Departamento de Trânsito; Secretaria da Fazenda de SP e outros aceitam documentos eletrônicos em sua forma virtual. Listagem descritiva.
- Em 1997 a Secretária da Fazenda do Distrito Federal, implantou Sistema de Gerenciamento de Documentos.
- O Congresso Nacional está informatizado, inclusive no seu sistema de votação, âmago das decisões mais altas da Nação.
- São digitalizados todos os documentos do INSS de 18 milhões de brasileiros.
- Imagem de Cheques – Os principais Bancos dos EUA estão convertendo os cheques em imagem digitais.
- A documentação de engenharia, com um acervo de 600 mil documentos, tem tudo arquivado em forma digital.
Os fatos falam por si.
Como o colega pôde ver nos itens acima, o mundo está se utilizando as imagens digitais, e mesmo os mais céticos sabem que se trata de um processo irreversível.
Então qual o problema?
A grande indagação dos opositores das imagens digitais em odontologia tem uma unânime pregação: “Os arquivos digitais podem ser manipulados e alterados”
Eu pergunto: E qual o problema?
Todos sabemos que a atividade falsificatória não é novidade, há muito se falsifica papel moeda, assinaturas e documentos. Mesmo as fotografias já foram alvo de falsificações com as fotomontagens, algumas famosas e quase perfeitas.
Como que a justiça reage a um caso destes?
Simples, o juiz solicita um perito, no caso de suspeita de falsificações eletrônicas que, se na maioria das vezes são imperceptíveis ao leigo, são facilmente detectáveis por peritos.
Muito bem. Digamos que um paciente leve a justiça um CD. Na esmagadora maioria das vezes, o CD é acusado de ter prestado um mau serviço, ou ter errado em um procedimento.
Não temos registro de nenhum caso do CD ter sido acusado de falsário, onde a honestidade e as boas intenções do CD estariam sendo postas em questão. E mesmo que isto venha a ocorrer. O procedimento padrão do juiz será o de nomear um perito para avaliar as fotos. E a verdade virá à tona.
Como dado suplementar, caso estas fotos tenham sido feitas por um instituto de radiologia idôneo, o mesmo pode enviar uma copia das imagens de seu arquivo morto, com o laudo do responsável pelo instituto.
Deve ficar bem claro que tal hipótese de litígio é muito remota, porem possível e solucionável como exposta acima.
Falamos acima exclusivamente das fotos digitais, que são apenas um item da documentação. O CD além das fotos provavelmente tem testemunhas, prontuários, radiografias, etc… Que serão utilizados no processo de defesa.
Conclusões
Todos as áreas científicas que se utilizam imagens, estão migrando para utilização de imagens digitais. O que leva a crer que o processo é irreversível.
Apesar de não específica para odontologia, existe jurisprudência e precedentes que mostram a legalidade das fotos digitais. É importante o CD manter arquivo organizado de seus prontuários, contratos, modelos, radiografias etc. Um laudo e imagens de arquivo morto do serviço radiológico, podem ser de grande valia jurídica.